Não podemos permitir a instituição de uma espécie
de poder paralelo, à margem dos reconhecidos pela Constituição, composto por
pessoas eleitas para esse fim, ainda que sejam iluminadas e ungidas por um
poder de origem divina. Não existe essa história de ‘Constituinte Exclusiva.’Isso
é contrário à Constituição. Não é forma reconhecida pela Constituição para sua
reforma. A reforma do texto constitucional se dá por meio das chamadas emendas,
que já são muitas, mas ao menos estão todas submetidas a limites de conteúdo e
formas preestabelecidas na própria Constituição. Por isso, conclamar o povo
para se manifestar por meio de plebiscito a tanto, só pode ser uma tentativa de
legitimar o que é ilegítimo, com ares de golpe institucional e
pirotecnia. Nós não estamos nesta terra para convalidar um ato do Presidente da
República que atente contra a Constituição da República, especialmente contra o
livre funcionamento do Poder Legislativo.
Além disso, o clamor social,
ao que tudo indica épor saúde, educação, liberdade de locomoção, liberdade de
reunião, e a Constituição já os prevê. Como também prevêuma Administração
eficiente, ética, impessoal, transparente, um Legislativo probo. E cá entre
nós, como bem disse o ilustre Professor José Afonso da Silva, em artigo
publicado no Tendências e Debates da Folha de São Paulo, “apesar de suas imperfeições, a Constituição está
conseguindo construir um equilíbrio político que nenhuma outra tinha
conseguido. A República nunca viveu tantos anos de funcionamento democrático
pacífico. Sob sua égide, realizaram-se diversas eleições. A liberdade nela
assegurada é plena. As garantias constitucionais básicas desenvolvem-se
normalmente. A promessa de democracia social não se cumpriu ainda, mas os
pressupostos de sua efetivação estão presentes. (...) Essa fúria modificativa
da Constituição impede que ela imprima ordem e conformação à realidade política
e social. Deixemo-la maturar, que é o processo de transformação e
desenvolvimento de um organismo para o exercício pleno de suas funções. Se a
Constituição não há de ser uma lei eterna, também não haverá de ser um boneco
de cera que se amolde ao sabor dos interesses do momento”.

Para quem quiser ler o artigo do Professor José
Afonso da Silva, que mencionei, é só acessar o link
E para
quem quiser ter ideias de como realizar uma reforma política ou construir algo
novo, fica a dica http://porunanuevaleydepartidos.es/
Ainda sobre esse tema, quero também publicar aqui
um texto leve, bem humorado e bastante esclarecedor escrito pelo meu colega
Roberto Tardelli – um cara brilhante, intitulado: O Migué da Dilma. Vale a pena
conferir.
O
MIGUÉ DA DILMA
Estávamos
ansiosos. O país em chamas, convulsionado nas ruas, a ordem jurídica posta em
xeque, as polícias atônitas não sabendo a quem dar a cacetada democrática e a
antidemocrática, balas de borracha saindo infinitamente das tropas de choque,
bombas de efeito moral, o inofensivo vinagre tornando-se uma arma de
neutralização do inimigo, mauricinhos e patricinhas saindo dos shoppings e das
academias de ginástica diretamente para as ruas, redescobrindo o Brasil depois
de tantos anos adorando Miami...
Torcer ou não torcer, não é mais a questão: sentar-se na televisão para ver aquelas narrações ufanistas mega patrióticas, tornou-se quase uma clandestinidade, obrigando a quem viu o Brasil ganhar esquisito da Itália, fazê-lo com o volume baixinho; de repente, o vizinho poderia advertir:“Enquanto EU mudo o Brasil na rua, você aí, gritando GOL! Impedido, ainda por cima!” Um pit-boy acelerou sua Range Rover e matou um manifestante na minha Ribeirão Preto. Uma Range Rover blindada, suficiente para matar um Touro Bandido.
Depois de um mercantilismo partidário – quem sabe, a partir da Emenda Constitucional que permitiu a reeleição de FHC – os partidos políticos perderam o que deles há como característica principal: a representatividade popular. Para uma parcela majoritária da população, os partidos não fazem sentido algum, para desespero de seus líderes. Pudera, quem votou em Dilma, viu Maluf abraça-la; quem votou em Alckimin, viu que seu vice, Guilherme Afif Domingues, ser Ministro de Dilma. A escolha do eleitor foi vulgarizada, barateada pelos acordos políticos malucos que se fizeram ao longo dos últimos quinze anos.
Torcer ou não torcer, não é mais a questão: sentar-se na televisão para ver aquelas narrações ufanistas mega patrióticas, tornou-se quase uma clandestinidade, obrigando a quem viu o Brasil ganhar esquisito da Itália, fazê-lo com o volume baixinho; de repente, o vizinho poderia advertir:“Enquanto EU mudo o Brasil na rua, você aí, gritando GOL! Impedido, ainda por cima!” Um pit-boy acelerou sua Range Rover e matou um manifestante na minha Ribeirão Preto. Uma Range Rover blindada, suficiente para matar um Touro Bandido.
Depois de um mercantilismo partidário – quem sabe, a partir da Emenda Constitucional que permitiu a reeleição de FHC – os partidos políticos perderam o que deles há como característica principal: a representatividade popular. Para uma parcela majoritária da população, os partidos não fazem sentido algum, para desespero de seus líderes. Pudera, quem votou em Dilma, viu Maluf abraça-la; quem votou em Alckimin, viu que seu vice, Guilherme Afif Domingues, ser Ministro de Dilma. A escolha do eleitor foi vulgarizada, barateada pelos acordos políticos malucos que se fizeram ao longo dos últimos quinze anos.
Nesse
quadro de insensatez institucional, a Presidenta da República discursou. Pelo
jeito e coesão de suas palavras, mil mãos elaboraram sua fala e ela acabou
apresentando uma proposta exótica: uma constituinte específica para a Reforma
Política, que seria convocada a partir de um plebiscito. Ideia genial de um
assessor, péssimo aluno de Direito Constitucional, que criou um factoide, já
nascido completamente torto.
Se
o plebiscito, por força de dispositivo constitucional (art. 49, inciso XV),
convocar plebiscito é de competência exclusiva do Congresso Nacional, é preciso
sinalizar o que vai ser objeto de consulta, que deve ser simples, objetiva e
direta. Ela, portanto, terceirizou a crise para o Legislativo, na base de
um“não é comigo!”. E, como no júri, só é possível responder SIM ou NÃO a essa
consulta, circunstância que complica muito a formulação da consulta que posta à
população, em um tema tão complexo.
Ficou
a sensação de que a Presidenta recebeu a conta no bar e a entregou na mesa ao
lado para pagamento.
O
que mais assustou foi a meia-constituinte. Uma constituinte exclusiva para a
Reforma Política. O embrulho é interessante: seria um mandato específico para
que se realizasse apenas e tão somente a reforma, por políticos que não
pudessem se candidatar, em decorrência de evidente incompatibilidade entre a
natureza do poder constituinte que foram investidos e o interesse pessoal na
eleição subsequente.
Isso demandaria, mais que os médicos cubanos, a importação de políticos
celestiais porque haveria a necessidade de se convocar quase centenas de
pessoas do Brasil todinho, que disputariam eleições, sabendo que não poderiam
fazê-lo em seguida, mesmo depois de intensa exposição midiática, salvadores
representativos da pátria sem representatividade. Homens e mulheres com heroico
sentido de desprendimento. Não existe essa bondade entre nós, seres humanos. Ou
seja, a constituinte será feita com esses políticos que aí estão, com seus
mandatos postos sob desconfiança, cada qual pretendendo armar sua caminha de
macia para a eleição que virá. Vão extinguir partidos, criar outros, misturar
água e óleo e tudo voltará a ser como dantes. Teremos gremlins partidários.
Outra
questão é que por natureza, o poder constituinte não pode ser limitado a uma
questão específica e pode sair de seu quadradinho inicialmente imaginado e
caminhar por outros dispositivos constitucionais, a causar um estrago parecido
a um tsunami legislativo. A medida que viria para consertar, poderia acabar de
vez com a única constituição igualitária da História da República.
As
duas propostas são populistas, uma vez que o plebiscito e a constituinte,
demandariam meses de trabalho, campanhas, debates, tirada da cartola por algum
assessor criativo e que deve fazer mágicas em festas infantis.
A
Reforma Política deve ser feita com os mecanismos de que já dispomos, dentro do
que for possível alcançar, em nosso estado de cidadania e de arte. Poder, com
realismo e com responsabilidade, ainda com o eco da juventude, que foi às ruas,
desde o pessoal do busão às patricinhas e mauricinhos, cujos votos valem
igualmente, nenhum deles representado pelos partidos que hoje existem, por
culpa exclusiva de seus dirigentes e militantes que permitiram que eles se
descolassem da população e da representatividade, único DNA que lhes possibilita
historicamente existir.
A
proposta foi infeliz e inoportuna, ingênua e espertalhona. A Presidenta poderia
ter se poupado desse papel e nos poupado desse constrangimento. Na minha terra,
a gente diz que a Presidenta deu um migué...
Que coisa feia.
Precisamos ficar bem espertos e continuar lutando bravamente, se
queremos um Brasil melhor.
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