quarta-feira, 10 de maio de 2017

BAÚ DAS MEMÓRIAS E A ARTE DE COZINHAR

POR ANNATROTTAYARYD
   
     Às vezes me permito passear pelos jardins da minha memória, em busca de recordações. E foi num desses passeios que me lembrei dos dias em que, ainda criança, fazia as lições da escola na mesa da cozinha, enquanto minha mãe preparava as refeições. Era uma maneira simples e gostosa de ficarmos juntas e de nos ajudarmos. Entre uma resposta e outra, eu pegava as panelas, as verduras e os legumes na geladeira, os temperos no armário e a observava, na sua arte de cozinhar. 
    Em casa, a cozinha não tinha lá muitas surpresas. Era imposto um cardápio fixo para a semana que, com leves variações conforme as estações, servia para o ano inteiro. Mesmo assim, minha mãe era a melhor cozinheira que conhecia. Seu bom humor e sabedoria sempre me impressionaram. Era prática, rápida e tinha o dom do improviso entre as panelas. Aproveitava tudo o que tinha à mão, sem pensar muito no assunto e sem muita pompa. E não raras vezes recorria a temperos e segredinhos que conhecia para corrigir e fazer dar certo aquilo que parecia desandar, com tanta confiança, que nunca duvidava do resultado. 
    Com um jeito especial de fazer triunfar a estética sobre a escassez, sempre introduzia alguma variante e adornava o prato com originalidade. É bem verdade que não era daquelas que domina a arte de transformar um repolho em um ikebana, longe disso. Mas tinha lá sua graça. E também seus truques.
     Lembro-me perfeitamente do dia em que minha avó anunciou que viria em casa e minha mãe foi correndo comprar um bolo, na melhor doceria dos arredores. Chegando em casa, tirou os enfeites, colocou-o em um prato do nosso jogo de louça, depois deu duas voltas ao redor da mesa da sala de jantar pulando, enquanto me explicava que era para ele ‘desmaiar’ o suficiente a ponto de parecer preparado em casa.
      Quando numa crise de risos, servi o bolo para minha avó, minha mãe quase me triturou com o olhar. Ainda bem, minha avó nunca entendeu nada sobre esse momento. Essa recordação sempre me faz agradecer muito por fazer parte de uma geração que já não crucifica e nem menospreza as mulheres que não cozinham, ou não contam com muito tempo para isso. Por sorte, esse tempo passou.
    E foi assim que, desde muito cedo, passei a me interessar pela cozinha e a arte de cozinhar, o que hoje reconheço, me trouxe muitas vantagens. Aprendi, por exemplo, que se uma pessoa tem que passar o dia todo preparando uma receita, sem tempo para mais nada, a receita não é boa e deve ser imediatamente descartada. Receita boa tem que sobrar disposição. Que com um pouco de imaginação e vontade, você pode transformar algo trivial em uma ocasião inesquecível. Aprendi também, que o que realmente importa é manter o bom humor enquanto cozinha, e principalmente, que o maior segredo de todos é a confiança. Por isso, nunca duvide do resultado. 
    Espero seguir a vida cultivando o gosto pela cozinha – esporádico é claro, porque todo dia ninguém merece. E um dia, quem sabe, usá-lo como um fator determinante do meu destino, porque acredito no poder da culinária para reunir a família e amigos.

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