
Mulheres que correm com os lobos é um livro que identifica a essência da alma feminina e sua psique instintiva mais profunda com o arquétipo da Mulher Selvagem, e propõe o resgate desse passado longínquo, como forma de atingir a verdadeira libertação.
Eu o considero um livro de cabeceira, daqueles para se abrir vez ou outra, ao acaso, para reler o que a sorte indicar. Trata-se de um verdadeiro fortificante para nós mulheres, quando estamos no meio do caminho, quer lutando em difíceis paisagens interiores, quer quando lutamos no mundo e por ele.
MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS é um trabalho de pesquisa extenso e de análise junguiana, que Clarissa Pinkola Estes faz sobre dezenove contos, alguns reformatados pelos irmãos Grimm, outros populares, todos pesquisados desde a origem como contados pela tradição oral, em vilarejos distantes e comunidades afastadas. Contos de fadas, mitos e histórias que nos proporcionam uma compreensão que aguça o nosso olhar para que possamos escolher o caminho deixado pela natureza selvagem e nos servem como verdadeiros bálsamos medicinais com instruções incrustradas que nos orientam a respeito das complexidades da vida.
Segundo a autora, as terras espirituais da Mulher Selvagem, durante o curso da história, foram saqueadas ou queimadas, com seus refúgios destruídos e seus ciclos naturais transformados em ritmos artificiais para agradar os outros.
No decorrer da História da humanidade, houve um momento em que as mulheres foram consideradas animais trapaceiros e vorazes e, assim como os lobos, foram forçadas a acreditar que seus instintos não eram bons. Por isso, as mulheres que eram devotas à Grande Deusa foram caçadas. Foram-lhe impostos apertados espartilhos e regras. Não se podia dançar, rir ou brincar. Seu espaço na casa tornou-se restrito às tarefas domésticas e sua função única, servir o esposo e criar seus filhos.
Então, a mulher moderna tornou-se um borrão de atividades, que sofre pressões no sentido de ser tudo para todos.
Entretanto as Mulheres Selvagens, assim como os lobos, têm percepção aguçada e espírito brincalhão, são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força, são profundamente intuitivos e preocupam-se com seus filhotes e seus comuns. Têm experiência em se adaptar a circunstâncias em constante mutação. São dotados de determinação, extrema coragem e elevada capacidade para a devoção, e é tudo isso o que o livro busca resgatar.
Eu o comprei há muito tempo, depois de ler sobre ele em uma revista. Mas acreditem: comecei a ler e empaquei logo no começo. Então, o livro passou mais de um ano na prateleira da estante, até que novamente eu me interessasse por ele.
O livro inicia com uma pequena introdução, e depois a análise do primeiro conto - o Barba Azul; e foi exatamente neste primeiro conto que, na primeira leitura, eu parei.
Nunca entendi direito o motivo, mas o curioso é que, nos anos que se seguiram, encontrei outras mulheres que também leram e amaram o livro, mas também tiveram exatamente a mesma dificuldade: só conseguiram pegar o ritmo de leitura, quando começaram a ler, a partir do segundo conto, deixando o tal Barba Azul por último. Nenhuma soube explicar o por quê. Ficou a incógnita!
Por isso minha dica é: comece o livro a partir da análise do segundo conto. Sentirá como se janelas imensas se abrissem para você e não conseguirá mais largar o livro até terminar a última página. Só então volte para o primeiro conto.
O original do livro é de 1992, e chegou ao Brasil apenas no final da década de 90. Interessante que, em seu lançamento aqui no Brasil, o livro era considerado como "feminista", e foi publicado e divulgado junto com uma leva de outros títulos bastante populares, destinados às mulheres "modernas e independentes". Porém, quase uma década depois, para minha surpresa, eis que encontro o livro de Estés vendido na prateleira de "auto ajuda".
Recentemente fui atrás de mais um volume do livro, para dar de presente e agora, eu o encontrei na seção de "livros técnicos de psicologia", o que achei engraçado, porque talvez esse livro seja tudo isso mesmo, dependendo de quem o lê.
Ele é um livro "feminista", na medida em que motiva e incentiva a mulher a encontrar o seu lado "selvagem", criativo, forte, protetor, rebelde, tanto quanto exorta cada mulher a expressar criativamente as suas emoções, seja plantando o mais belo jardim, escrevendo poesias, pintando, cantando, ou qualquer outra forma de arte. Mas também é um livro de "autoajuda", se o lemos com empatia e com o coração e alma abertos ao aprendizado. E sem dúvida é um livro "de psicologia", pois Estés é uma PH.D. em análise junguiana, que são utilizados para um estudo profundo de cada um dos dezenove contos analisados, todos correlacionados com casos práticos, e que nos remetem à utilização do arquétipo ao sentido da vida individual.
O que mais me fascina no trabalho de Clarissa Estes é a forma como ela rejeita os padrões de beleza e "sucesso" da mídia contemporânea, e segue fundo para arquétipos que falam na alma feminina. Os lobos, significando a natureza rebelde e selvagem, são uma imagem poderosa. Mas também o "cantar sobre os ossos" ao se referir aos mistérios da vida e da morte, o "clã das cicatrizes" sobre o valor da experiência de vida, a forma como aborda a velhice como um momento de sabedoria e conhecimento, seu enfoque da alegria de viver, e dos cuidados necessários com os "predadores" violentos e perigosos que espreitam as mulheres, e de como identificam suas vítimas. Em cada conto, em cada análise, um pouco de sabedoria.
Este é um livro que eu recomendo... mas nunca empresto.
2 comentários
Adorei a tua análise. É o meu livro de cabeceira há anos e o que sempre escolho para dar de presente (e recomendar) às amigas que percebo que precisam se resgatar. E como você, também empaquei no início, desisti, e retomei. Já li muitas vezes o livro inteiro e, de tempos em tempos, leio novamente. Sempre há algo que "passou" desapercebido e que "fala comigo" numa nova leitura, me toca de outra forma. É "o" livro que toda mulher deve ler. Parabéns pelo post! Beijos
Obrigada Ana, fico feliz que tenha gostado. O que é bom é para compartilhar, não é mesmo.
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