sábado, 18 de fevereiro de 2017

ARROZ DE PALMA: Um dos livros mais doces que já li


                                       ESCRITO POR  ANNATROTTAYARYD    
 
                        Arroz de Palma é um livro de receitas de como conviver em família, que nos traz as delícias e maravilhas sobre laços de família, pessoas e muitas vidas.  Ele faz rir, chorar e ir longe com a imaginação, mas acima de tudo, é um livro real, palpável, que retrata a família exatamente como tem que ser: possível, humana e cheia de contradições.       
                              Ele narra a saga de uma família em busca de um futuro melhor, que no curso da vida vai superando diversas dificuldades. Nos cem anos em que acompanhamos suas vidas, irmãos brigam e fazem as pazes. Uns casam e são felizes, outros se separam. Os filhos ora preocupam, ora dão satisfação. Tudo, sempre acompanhado pelo arroz jogado no casamento dos patriarcas José Custódio e Maria Romana, em 1908, grão que serve de fio condutor desta história, como migalhas de pão jogadas no labirinto da memória.
                              Não importa se sua família é numerosa como a do livro ou não, se você tem 80 ou 20 anos, é impossível não se identificar com ele. 
                               O autor, Francisco José Alonso Vellozo Azevedo, é dramaturgo, roteirista cinematográfico, poeta e ex-diplomata, além de um exímio mestre em brincar com os múltiplos sentidos de cada vocábulo e a forma metafórica de se enxergar a rotina. Por isso, o livro é cheio de construções cativantes, poéticas e metáforas criativas, que nos instigam a refletir sobre extremos e relacionamentos.
                              Como nos ensina o autor, através de um de seus personagens, Família boa é à “Moda da Casa”, e “quando acaba, nunca mais se repete”, para nos mostrar, no curso da história, com imensa delicadeza e sensibilidade o quão importante é voltarmos às nossas raízes - não aquelas que encontramos ao olhar para trás, mas aquelas que só achamos quando olhamos dentro e bem lá no fundo...
                              Com toda a certeza, Arroz de Palma é um daqueles livros para pegar com respeito, saborear com calma, ler com a alma e guardar com carinho.
                              E se você ainda não está convencido do que estou falando, transcrevo abaixo um trecho do próprio livro, que já circula livremente pela internet, para não restar qualquer dúvida. Fica a dica. 
                                                 “ARROZ DE PALMA”
                                               FRANCISCO AZEVEDO

“Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida, (azeitona verde no palito) sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele o surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente. E você? É, você mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia. Como saiu no álbum de retratos? O mais prático e objetivo? A mais sentimental? A mais prestativa? O que nunca quis nada com o trabalho? Seja quem for, não fique aí reclamando do gênero e do grau comparativo. Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua vida. Não há pressa. Eu espero. Já estão aí? Todas? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.

Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar, tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.

Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada.

O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe Família à Oswaldo Aranha; Família à Rossini; Família à Belle Meunière; Família ao Molho Pardo, em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é “à Moda da Casa”. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada, seriam assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.

Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro. Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.”

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