
ESCRITO POR ANNATROTTAYARYD
Na pré-história, onde os povos
nômades se alimentavam com o que viam pela frente, penso que tudo era mais
tranquilo para as mulheres, que se mantinham a léguas de distância do fogão e
não tinham lá grande preocupação. Viviam todos em comunidades, dividindo as
tarefas, e como imperava certa promiscuidade nas relações, ninguém se
interessava muito em saber quem era o pai de quem.
Mas,
com a fixação na terra, o início do desenvolvimento da agricultura e a divisão
social do trabalho, o destino da mulher começou a tomar novos rumos. Os filhos
se transforaram em força de trabalho, e saber quem era o pai de quem passou a ter
grande importância, afinal, quanto mais filhos, mais força de trabalho e mais
poder. Como decorrência, as mulheres, como grandes geradoras de filhos, passaram
a ser aprisionadas em casa e tudo o que existe dentro. No papel de
mãe-esposa-rainha do lar, cabe então a elas passar a vida inteira grávida ou
amamentado, completamente à margem do conhecimento das novas habilidades
técnicas e do aprendizado, ao que as doutrinas religiosas monoteístas da época
dão a maior força, enfatizando o conceito de que a mulher é o sexo frágil e
sinônimo único de mãe/procriadora.
Foi
nos anos 60 que a coisa toda começou a mudar. Com a expansão do ensino
universitário – o que permite às mulheres pensarem a vida profissional de uma
forma mais ampla e diferente das mulheres até então, onde as poucas que
trabalhavam, tinham profissões que eram quase extensão do seu papel na família,
de educadoras/professoras ou cuidadoras/enfermeiras - a mulher se apropria da
força de trabalho, ganhando mais do que autonomia financeira, autonomia
existencial. E, com a chegada da pílula anticoncepcional, que finalmente possibilita
o controle da natalidade, as mudanças se intensificam.
Desde
então, muitas coisas mudaram, mas os homens ainda continuam no comando, controlando o poder político e econômico, a cultura e os costumes, e fazendo e aplicando as
leis como bem entendem, e, quando as pressões sociais e a legislação não são
suficientes para dobrar as mulheres mais rebeldes, a religião intervém com força total
e o seu inegável selo patriarcal.
Como
se não bastasse, lamentavelmente a quase totalidade das mães ainda se incumbe,
pessoalmente, de perpetuar e reforçar o sistema, criando filhos arrogantes e
filhas submissas.
Se
nós mulheres entrássemos num acordo para agir de outro modo, com toda a certeza
liquidaríamos com o machismo no espaço de uma geração! Afinal, desde sempre a
pobreza obrigou os homens a percorrer grandes faixas territoriais, em busca de
sustento, num movimento constante de chegar e partir, enquanto as mulheres
permanecem, são árvores enraizadas no chão. Filhos e outros parentes giram em
torno delas, que na grande maioria cuidam dos velhos, dos doentes e dos
desamparados.
Mas
não. Em todas as classes sociais, exceto nas privilegiadas, é claro, continuamos considerando a abnegação e o trabalho as maiores virtudes femininas; e o espírito
de sacrifício, nosso ponto de honra -
quanto mais sofremos pela família, mais orgulhosas nos sentimos. Além disso, habituadas
desde cedo a considerar o companheiro um filho meio bobalhão, continuamos
perdoando defeitos graves, da bebedeira à violência doméstica, simplesmente
porque ele é homem, e não conseguimos nos unir.
Tive
meu primeiro vislumbre da desvantagem do meu sexo quando ainda era uma pirralha
de uns nove anos de idade. Era um dia de sol e calor, e minha mãe me ensinava a
fazer tricô, enquanto meu irmão corria de um lado para o outro empinando pipa e
chutando bola. Os dedos desajeitados tentavam dar as laçadas enquanto a linha
corria das agulhas e a meada de lã se emaranhava, e eu, suando nesse esforço extremo
de concentração, quando a essa altura dos acontecimentos, minha mãe me diz:
sente-se com as pernas fechadas, feito uma mocinha, filha!
Joguei o tricô longe e, a partir
desse momento, resolvi que ia ser homem. Mantive-me firme nesse propósito, mas
foi por pouco tempo. Não demorou muito, meus hormônios me traíram e o meu corpo
começou a mudar inexoravelmente, me fazendo enterrar de vez a ideia. Seriam
precisos muitos mais anos para aceitar minha condição e compreender que, com o
dobro do esforço e a metade do reconhecimento, conquistaria o mesmo que alguns
homens por vezes conseguem.
Hoje
não trocaria meu lugar por nenhum deles, e não vejo razão alguma para cobiçar
esse pequeno e caprichoso apêndice masculino, mesmo porque, seu eu tivesse um,
nem sei o que faria com ele.
Como
todas as mulheres nascidas desde os anos 60, hoje faço parte da geração das
supermulheres.
Aquelas super filhas, super mães, superesposas, super donas-de-casa,
super bonitas, super dispostas, super determinadas, ‘worholics’, executivas ISO
9000, que estão sempre tentando provar o tempo todo não-sei-quê, para
não-sei-quem. Que entendem que nada é mais chique, charmoso e inteligente do
que uma mulher independente, dona do seu próprio nariz, porque sabem muito bem
que sem independência econômica não existe liberdade, mas para as quais, infelizmente,
o feminismo não chegou nem a tempo, nem ao ponto, de ensinar a dividir as
tarefas domésticas.
Na
verdade, isso nem nos passou pela cabeça. Achamos que a liberação consistia apenas
em enfrentar a vida e assumir os deveres masculinos, sem cogitar que deveríamos
também delegar parte do nosso fardo. E o pior é que seguimos achando isso.
O
resultado? Muito cansaço. O que faz com que milhares de mulheres, continuem
questionando os movimentos feministas.
Por
isso, salve-se a tempo da praga centralizadora, que suga a sensualidade e seca
a feminilidade, tomar conta de você e comece a delegar parte da sua listinha de
afazeres antes que reste da supermulher apenas aquela mísera capinha vermelha.
Ou pior, apenas uma superenxaqueca, pós a saída para tentar salvar o mundo de
todas as suas terríveis imperfeições. Agenda apertada é menopausa antecipada!
Isso
mesmo. Se você quiser viver uma vida possível e interessante, terá que aprender
a delegar. É claro que o super homem não vai escolher os limões sicilianos como
você, muito menos vai lavar atrás das orelhas quando der banho nas crianças,
mas e daí? Centralizar é um erro!!
Se
quisermos continuar seguindo em frente, precisamos trazer de volta os nossos limites
e saber dizer não, sem culpa, caso contrário, corremos o risco de continuarmos
escravas do mesmo jeito daquelas mulheres de antigamente que, trancafiadas em
casa, olhavam a vida pela janela.
Assim, nada de querer sempre uma
agenda lotada, muito menos de atender a todos o tempo todo e ficar se
preocupando em ser super isso ou super aquilo. Permita-se imperfeita! Faça o
possível, mas aceite o improvável, e nada de criar a falsa impressão de ser
indispensável. Tudo bem, esse
último é bem difícil, eu sei bem disso. Demorei um tempão para aprender que
todos sempre sobrevivem sem mim, e confesso, ainda hoje tenho lá minhas
recaídas. Mas sou a prova viva de que você consegue.
Mas acima de tudo, mantenha o relógio
funcionando sempre a seu favor, para que possa encontrar tempo para fazer nada e
tudo, exatamente tudo aquilo que lhe faz bem, lhe traz paz e principalmente,
que permita a você continuar existindo, como você mesma.
Lembre-se: você é humildemente uma mulher.
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