quinta-feira, 20 de outubro de 2016

DE MULHER PRA MULHER


ESCRITO POR ANNATROTTAYARYD
 
            Na pré-história, onde os povos nômades se alimentavam com o que viam pela frente, penso que tudo era mais tranquilo para as mulheres, que se mantinham a léguas de distância do fogão e não tinham lá grande preocupação. Viviam todos em comunidades, dividindo as tarefas, e como imperava certa promiscuidade nas relações, ninguém se interessava muito em saber quem era o pai de quem.
            Mas, com a fixação na terra, o início do desenvolvimento da agricultura e a divisão social do trabalho, o destino da mulher começou a tomar novos rumos. Os filhos se transforaram em força de trabalho, e saber quem era o pai de quem passou a ter grande importância, afinal, quanto mais filhos, mais força de trabalho e mais poder. Como decorrência, as mulheres, como grandes geradoras de filhos, passaram a ser aprisionadas em casa e tudo o que existe dentro. No papel de mãe-esposa-rainha do lar, cabe então a elas passar a vida inteira grávida ou amamentado, completamente à margem do conhecimento das novas habilidades técnicas e do aprendizado, ao que as doutrinas religiosas monoteístas da época dão a maior força, enfatizando o conceito de que a mulher é o sexo frágil e sinônimo único de mãe/procriadora.  
            Foi nos anos 60 que a coisa toda começou a mudar. Com a expansão do ensino universitário – o que permite às mulheres pensarem a vida profissional de uma forma mais ampla e diferente das mulheres até então, onde as poucas que trabalhavam, tinham profissões que eram quase extensão do seu papel na família, de educadoras/professoras ou cuidadoras/enfermeiras - a mulher se apropria da força de trabalho, ganhando mais do que autonomia financeira, autonomia existencial. E, com a chegada da pílula anticoncepcional, que finalmente possibilita o controle da natalidade, as mudanças se intensificam.
            Desde então, muitas coisas mudaram, mas os homens ainda continuam no comando, controlando o poder político e econômico, a cultura e os costumes, e fazendo e aplicando as leis como bem entendem, e, quando as pressões sociais e a legislação não são suficientes para dobrar as mulheres mais rebeldes, a religião intervém com força total e o seu inegável selo patriarcal.
            Como se não bastasse, lamentavelmente a quase totalidade das mães ainda se incumbe, pessoalmente, de perpetuar e reforçar o sistema, criando filhos arrogantes e filhas submissas.  
            Se nós mulheres entrássemos num acordo para agir de outro modo, com toda a certeza liquidaríamos com o machismo no espaço de uma geração! Afinal, desde sempre a pobreza obrigou os homens a percorrer grandes faixas territoriais, em busca de sustento, num movimento constante de chegar e partir, enquanto as mulheres permanecem, são árvores enraizadas no chão.  Filhos e outros parentes giram em torno delas, que na grande maioria cuidam dos velhos, dos doentes e dos desamparados.
            Mas não. Em todas as classes sociais, exceto nas privilegiadas, é claro, continuamos considerando a abnegação e o trabalho as  maiores virtudes femininas; e o espírito de sacrifício, nosso ponto de honra -  quanto mais sofremos pela família, mais orgulhosas nos sentimos. Além disso, habituadas desde cedo a considerar o companheiro um filho meio bobalhão, continuamos perdoando defeitos graves, da bebedeira à violência doméstica, simplesmente porque ele é homem, e não conseguimos nos unir.
            Tive meu primeiro vislumbre da desvantagem do meu sexo quando ainda era uma pirralha de uns nove anos de idade. Era um dia de sol e calor, e minha mãe me ensinava a fazer tricô, enquanto meu irmão corria de um lado para o outro empinando pipa e chutando bola. Os dedos desajeitados tentavam dar as laçadas enquanto a linha corria das agulhas e a meada de lã se emaranhava, e eu, suando nesse esforço extremo de concentração, quando a essa altura dos acontecimentos, minha mãe me diz: sente-se com as pernas fechadas, feito uma mocinha, filha!
            Joguei o tricô longe e, a partir desse momento, resolvi que ia ser homem. Mantive-me firme nesse propósito, mas foi por pouco tempo. Não demorou muito, meus hormônios me traíram e o meu corpo começou a mudar inexoravelmente, me fazendo enterrar de vez a ideia. Seriam precisos muitos mais anos para aceitar minha condição e compreender que, com o dobro do esforço e a metade do reconhecimento, conquistaria o mesmo que alguns homens por vezes conseguem.
            Hoje não trocaria meu lugar por nenhum deles, e não vejo razão alguma para cobiçar esse pequeno e caprichoso apêndice masculino, mesmo porque, seu eu tivesse um, nem sei o que faria com ele.       
            Como todas as mulheres nascidas desde os anos 60, hoje faço parte da geração das supermulheres.
 
            Aquelas super filhas, super mães, superesposas, super donas-de-casa, super bonitas, super dispostas, super determinadas, ‘worholics’, executivas ISO 9000, que estão sempre tentando provar o tempo todo não-sei-quê, para não-sei-quem. Que entendem que nada é mais chique, charmoso e inteligente do que uma mulher independente, dona do seu próprio nariz, porque sabem muito bem que sem independência econômica não existe liberdade, mas para as quais, infelizmente, o feminismo não chegou nem a tempo, nem ao ponto, de ensinar a dividir as tarefas domésticas.
            Na verdade, isso nem nos passou pela cabeça. Achamos que a liberação consistia apenas em enfrentar a vida e assumir os deveres masculinos, sem cogitar que deveríamos também delegar parte do nosso fardo. E o pior é que seguimos achando isso.
            O resultado? Muito cansaço. O que faz com que milhares de mulheres, continuem questionando os movimentos feministas.
            Por isso, salve-se a tempo da praga centralizadora, que suga a sensualidade e seca a feminilidade, tomar conta de você e comece a delegar parte da sua listinha de afazeres antes que reste da supermulher apenas aquela mísera capinha vermelha. Ou pior, apenas uma superenxaqueca, pós a saída para tentar salvar o mundo de todas as suas terríveis imperfeições. Agenda apertada é menopausa antecipada!         
            Isso mesmo. Se você quiser viver uma vida possível e interessante, terá que aprender a delegar. É claro que o super homem não vai escolher os limões sicilianos como você, muito menos vai lavar atrás das orelhas quando der banho nas crianças, mas e daí? Centralizar é um erro!!
            Se quisermos continuar seguindo em frente, precisamos trazer de volta os nossos limites e saber dizer não, sem culpa, caso contrário, corremos o risco de continuarmos escravas do mesmo jeito daquelas mulheres de antigamente que, trancafiadas em casa, olhavam a vida pela janela.
            Assim, nada de querer sempre uma agenda lotada, muito menos de atender a todos o tempo todo e ficar se preocupando em ser super isso ou super aquilo. Permita-se imperfeita! Faça o possível, mas aceite o improvável, e nada de criar a falsa impressão de ser indispensável. Tudo bem, esse último é bem difícil, eu sei bem disso. Demorei um tempão para aprender que todos sempre sobrevivem sem mim, e confesso, ainda hoje tenho lá minhas recaídas. Mas sou a prova viva de que você consegue.
           Mas acima de tudo, mantenha o relógio funcionando sempre a seu favor, para que possa encontrar tempo para fazer nada e tudo, exatamente tudo aquilo que lhe faz bem, lhe traz paz e principalmente, que permita a você continuar existindo, como você mesma.
          Lembre-se: você é humildemente uma mulher. 

 

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