Se
você ainda não conhece e nem sabe o que significa essa palavra, saiba que em 2017, em
evento promovido pela agência de notícias Efe e pelo banco BBVA, ela foi eleita, pela Fundação Espanhol Urgente (Fundéu) a palavra do ano, em razão do seu potencial transformador.
Do
grego άπορος (á-poros), sem recursos, indigente, pobre; e φόβος, (-fobos), medo, que quando usado como sufixo, indica ódio ou
repulsa em relação ao que a palavra original designa, a palavra significa
“rejeição ou aversão aos pobres.”
O
neologismo, recentemente incorporado à versão digital do dicionário pela Real
Academia Espanhola (RAE), foi criado pela filósofa Adela Cortina e usado
em vários dos seus artigos jornalísticos e livros.
Adela
Cortina é professora de Ética e Filosofia Política na Universidade de Valência
(Espanha), diretora da Fundação Étnor para a Ética dos Negócios e das
Organizações, membro da Academia das Ciências Morais e Políticas e tem oito
doutorados “honoris causa”, conferidos por diversas universidades no mundo.
De acordo com a filósofa espanhola, é
muito importante chamarmos as coisas pelo seu verdadeiro nome. Segundo ela
mesma explica, em seu livro “Aporofobia el rechazo al pobre” (Aporofobia, a
aversão aos pobres):
“Creio que é oportuno que se fale de um fenômeno que existe e que este tenha um nome. Me chama a atenção quando se diz que é preciso dar nome às tormentas, por exemplo, ou aos ciclones, porque assim as pessoas se previnem contra eles. A aversão aos pobres, a atitude de relegá-los socialmente, também é algo que se deve prevenir, porque é o mais contrário à dignidade das pessoas e um desafio contra a democracia. Não pode ser que uma parte da população despreze a outra e a considere inferior.
“Creio que é oportuno que se fale de um fenômeno que existe e que este tenha um nome. Me chama a atenção quando se diz que é preciso dar nome às tormentas, por exemplo, ou aos ciclones, porque assim as pessoas se previnem contra eles. A aversão aos pobres, a atitude de relegá-los socialmente, também é algo que se deve prevenir, porque é o mais contrário à dignidade das pessoas e um desafio contra a democracia. Não pode ser que uma parte da população despreze a outra e a considere inferior.
Ninguém
tem antipatia pelos turistas estrangeiros que invadem as nossas cidades
artísticas, muito menos pelos empresários ou pelos financiadores estrangeiros
que abrem ou adquirem empresas entre nós. O problema não é o estrangeiro, mas
sim o pobre como tal e aquilo que ele representa.”
Para a professora espanhola, o que
assusta a nossa sociedade do bem-estar é a pobreza, muito embora ela não tenha
coragem de reconhecer isso. Por isso, ao identificar a pobreza com os
estrangeiros imigrantes e refugiados, é menos constrangedor e mais fácil
apresentar essas pessoas como uma ameaça à identidade nacional, mas esse discurso
social repleto de ódio, não é totalmente identificável com a xenofobia.
Para ela, aporofobia é uma patologia social que existe em todo o mundo, por isso, a primeira coisa a fazer é "reconhecê-lo, saber como ele acontece e trabalhar para desativar esse fenômeno", o qual ela define como "absolutamente corrosivo."
Para ela, aporofobia é uma patologia social que existe em todo o mundo, por isso, a primeira coisa a fazer é "reconhecê-lo, saber como ele acontece e trabalhar para desativar esse fenômeno", o qual ela define como "absolutamente corrosivo."
Adela reconhece com preocupação o
crescimento de movimentos que ela classifica como aporófobos, que estão
ganhando terreno nos Estados Unidos e na França, como o discurso anti mexicano
de Donald Trump e da Frente Nacional de Marine Le Pen contra os imigrantes. Segundo ela, “é
um dos grandes problemas do nosso tempo, porque desde 1948, ano da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, nós dizemos que isso era inadmissível, e agora
está voltando a ser uma tendência”.
É verdade que a pobreza e a degradação que ela envolve nunca
desapareceram. Mas, ao longo do tempo, as formas em que a pobreza se
manifesta, a sua percepção e o modo de enfrenta-la ficaram diferentes. Passamos
de uma situação de pobreza generalizada, decorrente da Grande Guerra, período
em que assistimos ao fenômeno da emigração e produção de sistemas de
assistencialismo, para os anos do boom econômico, entre os anos de 1960 e 1980, em que houve o surgimento de bairros e
estruturas inteiras onde a pobreza e uma espécie de separação se reproduziram, com
a guetização social, que produziu a marginalização dos pobres e manteve a pobreza longe dos olhos, até chegarmos ao atual estágio de globalização, que
produz o medo generalizado e elevado dos
pobres e nos leva a querer deixar a pobreza e o desconforto que
ela gera do lado de fora da porta de casa, ou mesmo no meio do mar.Segundo afirmou Santiago Agrelo Martínez, arcebispo de Tanger e uma das vozes mais claras a favor de uma maior empatia e tratamento humano dos imigrantes e dos pobres em geral, em sua conversa com a Aleteia:
“...nenhuma pessoa boa permitiria, em seu coração, sentimentos de repugnância e/ou ódio contra as pessoas apenas porque são pobres; no entanto, estamos infectados por esses sentimentos.
Estamos nos tornando desumanos? “Não penso assim”, disse o arcebispo.
Mas o que é definitivamente verdadeiro é que
“...alguém nos enganou, e onde há pessoas pobres, fomos condicionados a ver uma
ameaça à nossa segurança, um perigo à nossa saúde; onde há gente pobre, fomos
condicionados a ver crime organizado, terroristas, estupradores, traficantes de
drogas e ladrões; onde há pessoas pobres, fomos condicionados a ver imigrantes
ilegais, pessoas em situações legais irregulares, pessoas que vivem
clandestinamente e criminosos violentos.
Assim, a repugnância e o ódio contra os pobres
– aporofobia – encontrou um álibi (o que é natural para nós é a repugnância e o
ódio contra os ratos) que nos deixa com a mente tranquila e envenenada; estamos
tranquilos e inconscientes, tranquilos e indiferentes diante de uma das maiores
tragédias da humanidade. Tenho muito medo de que a aporofobia, cultivada
contra os imigrantes, vire-se contra nós sob a forma de ódio e desprezo por
todos aqueles que são fracos, indefesos, vulneráveis… Escolha qualquer
exemplo que você queira na área da família, da escola, da sociedade: há
material para escrever um livro”, ele concluiu.
Certamente, saber que existe aporofobia não significa que
seremos capazes de eliminar a rejeição aos pobres dos nossos medos, mas pelo
menos poderemos nos tornar conscientes do problema real e, quiçá, identificar
algum caminho de correção, redescobrir a ideia de bem comum, para a felicidade
da convivência.


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