terça-feira, 27 de novembro de 2018

VOCÊ SABE O QUE É APOROFOBIA?



         Se você ainda não conhece e nem sabe o que significa essa palavra, saiba que em 2017,  em evento promovido pela agência de notícias Efe e pelo banco BBVA, ela foi eleita, pela Fundação Espanhol Urgente (Fundéu) a palavra do ano, em razão do seu potencial transformador. 
         Do grego άπορος (á-poros), sem recursos, indigente, pobre; e φόβος, (-fobos), medo, que quando usado como sufixo, indica ódio ou repulsa em relação ao que a palavra original designa, a palavra significa “rejeição ou aversão aos pobres.”
         O neologismo, recentemente incorporado à versão digital do dicionário pela Real Academia Espanhola (RAE), foi criado pela filósofa Adela Cortina e usado em vários dos seus artigos jornalísticos e livros.
         Adela Cortina é professora de Ética e Filosofia Política na Universidade de Valência (Espanha), diretora da Fundação Étnor para a Ética dos Negócios e das Organizações, membro da Academia das Ciências Morais e Políticas e tem oito doutorados “honoris causa”, conferidos por diversas universidades no mundo.  
         De acordo com a filósofa espanhola, é muito importante chamarmos as coisas pelo seu verdadeiro nome. Segundo ela mesma explica, em seu livro “Aporofobia el rechazo al pobre” (Aporofobia, a aversão aos pobres):

“Creio que é oportuno que se fale de um fenômeno que existe e que este tenha um nome. Me chama a atenção quando se diz que é preciso dar nome às tormentas, por exemplo, ou aos ciclones, porque assim as pessoas se previnem contra eles. A aversão aos pobres, a atitude de relegá-los socialmente, também é algo que se deve prevenir, porque é o mais contrário à dignidade das pessoas e um desafio contra a democracia. Não pode ser que uma parte da população despreze a outra e a considere inferior.
(...)
Ninguém tem antipatia pelos turistas estrangeiros que invadem as nossas cidades artísticas, muito menos pelos empresários ou pelos financiadores estrangeiros que abrem ou adquirem empresas entre nós. O problema não é o estrangeiro, mas sim o pobre como tal e aquilo que ele representa.”
         Para a professora espanhola, o que assusta a nossa sociedade do bem-estar é a pobreza, muito embora ela não tenha coragem de reconhecer isso. Por isso, ao identificar a pobreza com os estrangeiros imigrantes e refugiados, é menos constrangedor e mais fácil apresentar essas pessoas como uma ameaça à identidade nacional, mas esse discurso social repleto de ódio, não é totalmente identificável com a xenofobia.

        Para ela, aporofobia é uma patologia social que existe em todo o mundo, por isso, a primeira coisa a fazer  é "reconhecê-lo, saber como ele acontece e trabalhar para desativar esse fenômeno", o qual ela define como "absolutamente corrosivo."  
         Adela reconhece com preocupação o crescimento de movimentos que ela classifica como aporófobos, que estão ganhando terreno nos Estados Unidos e na França, como o discurso anti mexicano de Donald Trump e da Frente Nacional de Marine Le Pen contra os imigrantes. Segundo ela, “é um dos grandes problemas do nosso tempo, porque desde 1948, ano da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nós dizemos que isso era inadmissível, e agora está voltando a ser uma tendência”.
         É verdade que a pobreza e a degradação que ela envolve nunca desapareceram. Mas, ao longo do tempo, as formas em que a pobreza se manifesta, a sua percepção e o modo de enfrenta-la ficaram diferentes. Passamos de uma situação de pobreza generalizada, decorrente da Grande Guerra, período em que assistimos ao fenômeno da emigração e produção de sistemas de assistencialismo, para os anos do boom econômico, entre os anos de 1960 e 1980,  em que houve o surgimento de bairros e estruturas inteiras onde a pobreza e uma espécie de separação se reproduziram, com a guetização social, que produziu a marginalização dos pobres e manteve a pobreza longe dos olhos, até chegarmos ao atual estágio de globalização, que produz o medo generalizado e elevado dos pobres e nos leva  a querer deixar a pobreza e o desconforto que ela gera do lado de fora da porta de casa, ou mesmo no meio do mar.

         Segundo afirmou Santiago Agrelo Martínez, arcebispo de Tanger  e uma das vozes mais claras a favor de uma maior empatia e tratamento humano dos imigrantes e dos pobres em geral, em sua conversa com a Aleteia:

“...nenhuma pessoa boa permitiria, em seu coração, sentimentos de repugnância e/ou ódio contra as pessoas apenas porque são pobres; no entanto, estamos infectados por esses sentimentos.

         Estamos nos tornando desumanos? “Não penso assim”, disse o arcebispo.
Mas o que é definitivamente verdadeiro é que “...alguém nos enganou, e onde há pessoas pobres, fomos condicionados a ver uma ameaça à nossa segurança, um perigo à nossa saúde; onde há gente pobre, fomos condicionados a ver crime organizado, terroristas, estupradores, traficantes de drogas e ladrões; onde há pessoas pobres, fomos condicionados a ver imigrantes ilegais, pessoas em situações legais irregulares, pessoas que vivem clandestinamente e criminosos violentos.
Assim, a repugnância e o ódio contra os pobres – aporofobia – encontrou um álibi (o que é natural para nós é a repugnância e o ódio contra os ratos) que nos deixa com a mente tranquila e envenenada; estamos tranquilos e inconscientes, tranquilos e indiferentes diante de uma das maiores tragédias da humanidade. Tenho muito medo de que a aporofobia, cultivada contra os imigrantes, vire-se contra nós sob a forma de ódio e desprezo por todos aqueles que são fracos, indefesos, vulneráveis​​… Escolha qualquer exemplo que você queira na área da família, da escola, da sociedade: há material para escrever um livro”, ele concluiu.
         Certamente, saber que existe aporofobia não significa que seremos capazes de eliminar a rejeição aos pobres dos nossos medos, mas pelo menos poderemos nos tornar conscientes do problema real e, quiçá, identificar algum caminho de correção, redescobrir a ideia de bem comum, para a felicidade da convivência.   

         Se você quiser saber mais sobre “aporofobia”, acesse o  link abaixo.  
 
 
 

 

 

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

GENTE QUE FAZ: ANARKIA BOLADONA


A grafiteira Panmela Castro, mais conhecida como Anarkia Boladona, codinome artístico com o qual ganhou o mundo, é uma artista ativista que, por meio de sua arte, visa promover a igualdade de gênero.   
         Nascida e criada na periferia carioca, a grafiteira se formou Bacharel em Pintura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e é mestre em Arte Contemporânea pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Sua arte, de caráter político, feminista e autobiográfico, atualmente pode ser encontrada em três continentes, dez países e várias cidades do mundo, e já ganhou prêmios dentro e fora do Brasil. Além disso, recentemente, Panmela foi reconhecida pela revista Newsweek como uma das 150 mulheres que estão abalando o mundo.
         Com seus enormes grafites que retratam mulheres e frases que clamam pela liberdade da mulher em relação a seu corpo e a sua sexualidade, bem como pelo direito de escolha das mulheres, a artista plástica e ativista ajuda a quebrar uma das barreiras que mais dificultam o combate a abusos contra mulheres: a comunicação. E mostra com clareza as situações cotidianas que envolvem o problema.

         A história de militância de Panmela se funde com sua própria biografia. Ela vivenciou a violência doméstica durante um casamento, experiência sobre a qual fala abertamente. Mesmo após se refugiar na casa dos pais, era constantemente perseguida e se sentia intimidada. Até que ela, que já pichava muros quando adolescente, foi convidada por amigos para grafitar. “Eu sabia que ali meu ex-marido não ia tentar nada, porque eu estava com várias pessoas ao meu lado.”
         Com os amigos do grafite, Panmela redescobriu não só a arte, mas a coragem para retomar a vida ao ar livre. “Passei seis meses em depressão dentro de casa, sem fazer nada e essa foi a oportunidade para poder voltar a viver a minha vida. O grafite foi uma forma de eu me ressocializar.”
         Pensando em criar uma nova alternativa para as grafiteiras, aos poucos formou sua própria rede de contatos que deu origem à Nami. Além da promoção da arte em si, a rede promove encontros e formações sobre feminismo, empreendedorismo e direitos das mulheres. No seio da arte está o questionamento sobre a posição da mulher na sociedade e as regras às quais ela está sujeita a se submeter.
         Em uma de suas falas para o Brasil de Fato, Panmela explica:
 “Muito mais que encarar o preconceito e as desigualdades de frente, é preciso entender e perceber esses preconceitos. Às vezes a gente passa por diversas situações que não consegue identificar as razões daquilo acontecer. Precisamos abrir o olho para as situações e exigir os nossos direitos. A mulher é muito explorada no trabalho, tem muito assédio e às vezes a gente deixa passar as coisas.”

Os trabalhos de mobilização da rede Nami já renderam dois prêmios internacionais de direitos humanos: o Vital Voices Global Leadership Awards, da Organização Vital Voices, fundada pela secretária de Estado dos Estados Unidos Hillary Clinton, e o DVF Awards, da Fundação Diller Von Furstenberg Family Fundation, organização da estilista Diane Von Furstenberg.
         Um dos projetos da rede realizou 30 oficinas com as “Mulheres da Paz”, senhoras idosas que atuam como conciliadoras em comunidades pobres do Rio de Janeiro. As “oficineiras” mediavam conversas entre elas e grupos de jovens sobre as questões da comunidade, inserindo também os temas da discriminação e cidadania.
         A união das duas gerações se deu no momento do grafite. “Uma mulher com 70 anos me marcou muito por ter falado ‘nossa, eu nunca pensei que eu ia poder fazer um negócio bonito desses’, deslumbrada pelo próprio grafite na parede.”
         Grafite como uma poderosa ferramenta de transformação social não só pela comunicação, mas pela socialização proporcionada pela atividade.
         Isso é gente que faz!