segunda-feira, 29 de julho de 2019

AS CAMÉLIAS DO LEBLON





“Um quilombo no que é hoje a zona sul do Rio, uma princesa (Isabel) que acolhia escravos fugidos no seu palácio e uma flor que servia de símbolo de um movimento subversivo: historiador junta as peças do quebra cabeça e reconstitui episódio esquecido do Império"


         A história do quilombo do Leblon se confunde com as origens do bairro Leblon. Apesar dos franceses não terem conseguido se apossar e colonizar o Rio de Janeiro, o nome de um dos bairros mais nobres da cidade tem origem em um francês. Charles, conhecido como le blond (o louro), foi proprietário de um lote delimitado pela atual avenida Visconde de Albuquerque, ruas General Urquiza, Dias Ferreira e pelo mar chamado de campo do Leblon. Nessas terras, ele possuía uma empresa que explorava a pesca de baleias (o óleo extraído do mamífero era utilizado no sistema de iluminação pública e na construção civil) e uma chácara onde residiu durante o período de 1809 até 1878, ano em que foi vendida ao português, José de Seixas Magalhães.
         O novo proprietário era um português de ideias avançadas, dedicado à fabricação e comércio de malas e sacos de viagem na Rua Gonçalves Dias, no Centro, onde já utilizava os mais modernos recursos tecnológicos. Suas malas, feitas com máquina a vapor, eram reconhecidas pelo mundo afora e foram premiadas tanto na Exposição do Rio de Janeiro, quanto na Exposição de Viena d’Áustria. Contudo, Seixas tinha um motivo mais especial para ser lembrado. Ele era contra o escravismo e fundou em sua chácara o quilombo do Leblon.
         Com a cumplicidade dos principais abolicionistas da capital do Império, muitos deles membros proeminentes da Confederação Abolicionista, Seixas recebia escravos fugitivos e os escondia na chácara do Leblon, onde cultivava as suas famosas camélias. A floricultura do Seixas, era conhecida mais ou menos abertamente como o “quilombo Leblond”, ou “quilombo Le Bloon”, então um remoto e ortograficamente ainda incerto subúrbio à beira-mar.
            Naquela época, como infelizmente ainda hoje, a camellia japonica era uma planta relativamente rara no Brasil. E, exatamente como a Liberdade que se pretendia conquistar, a camélia não era uma flor dessas comuns, naturais da terra e encontradas soltas na natureza. Era, pelo contrário, uma flor especial, estrangeira, cheia de melindres com o sol, que requeria know-how, ambiente, mão-de-obra, técnicas de cultivo e cuidados muitíssimo especiais.
            Diferentemente do quilombo tradicional, de resistência, também conhecido como quilombo rompimento, o quilombo do Leblon foi o primeiro quilombo abolicionista do país.
       No quilombo rompimento, a tendência dominante era a política do esconderijo e do segredo de guerra. Por isso, esforçam-se os quilombolas exatamente em proteger seu dia a dia, sua organização interna e suas lideranças de todo tipo de inimigo ou forasteiro, inclusive, depois, os historiadores. O melhor exemplo de quilombo rompimento será o de mocambos guerreiros como o mocambo heroico de Acotirene; o mocambo de Dambrabanga; o mocambo de Zumbi; o mocambo do Aqualtume, sua mãe; o mocambo de Andalaquituche, seu irmão; a Cerca de Subupira; a Cerca Real do Macaco e toda a confederação a que chamam os Palmares.
             Já no modelo novo do quilombo abolicionista, as lideranças são muito bem conhecidas, cidadãos prestantes, com documentação civil em dia e, principalmente, muito bem articulados politicamente. Não são mais os poderosos guerreiros do modelo anterior, mas um tipo novo de liderança, uma espécie de instância de intermediação entre a comunidade de fugitivos e a sociedade envolvente. Nesse modelo, os contatos com a sociedade são tantos e tão essenciais, que fazem parte do jogo político da sociedade envolvente.
          O quilombo do Leblon era um ícone do movimento abolicionista, uma de suas melhores bases simbólicas e um dos seus trunfos para a negociação política que, assim como o quilombo de Petrópolis e o quilombo do Jabaquara, fazia parte já do jogo político da transição.
          Naquela época, o Leblon era quase no fim do mundo e para chegar até lá era necessária uma longa viagem. Parte dela, inclusive, tinha que ser feita a pé. O ponto tinha uma localização estratégica oferecendo o necessário isolamento e grande proteção natural. A casa principal do Quilombo ficava onde hoje se situa o Clube Campestre da Guanabara.
          Seixas era um homem muito bem relacionado. Além da cumplicidade que tinha com os grupos abolicionistas do Rio, contava também com a proteção da própria Princesa Isabel. E, como prova de gratidão, Seixas reservava as mais belas camélias do seu quilombo, que eram entregues com regularidade ao Palácio das Laranjeiras, para enfeitar diariamente a mesa de trabalho e a capela particular da residência da princesa.

          A flor servia como uma espécie de código através do qual os abolicionistas podiam ser identificados, principalmente quando empenhados em ações mais perigosas, ou ilegais, como o apoiamento de fugas e a obtenção de esconderijo para os fugitivos.
     Os abolicionistas usavam-nas na lapela, reuniam-nas em ramalhetes ou cultivavam-nas nos jardins, para sugerir a adesão a causa.
          Um escravo de São Paulo, por exemplo, que viesse parar no Rio de Janeiro, podia identificar imediatamente os seus possíveis aliados, já na plataforma de desembarque da Estação D. Pedro II, simplesmente pelo uso de uma dessas flores ao peito, do lado do coração. Caso o fugitivo ignorasse totalmente os princípios básicos dessa semiótica, dificilmente poderia contar com a proteção da poderosa Confederação Abolicionista, cujo programa era combater o regime.
        Segundo o pesquisador Eduardo Silva, no livro As camélias do Leblon e a abolição da escravatura, “Naquele tempo, usar uma camélia na lapela, ou cultivá-la acintosamente no jardim de casa, era quase uma confissão de fé abolicionista”.
       O simbolismo estaria presente até mesmo na hora da assinatura da lei, quando o presidente da Confederação Abolicionista, João Clapp, se aproxima da princesa e lhe entrega, solenemente, um “mimoso bouquet de camélias artificiais”, sendo seguido pelo imigrante Seixas, que lhe passou às mãos um outro belíssimo buquê de camélias naturais, vindas diretamente do seu quilombo do Leblon.
     Alguns pés remanescentes desse tempo simbólico ainda podem ser encontrados em velhos jardins da cidade do Rio de Janeiro e são documentos vivos da história do Brasil, como é o caso dos pés de camélias plantadas por Rui Barbosa, abolicionista e também amigo querido, pelo que revelam itens de correspondência, de Seixas Magalhães, em sua residência, no século XX, onde atualmente se encontra a Fundação Casa de Rui Barbosa.


           A Fundação Casa de Rui Barbosa é  um centro de estudos que tem sede na casa senhorial onde morou Rui Barbosa, situada em meio a um amplo terreno, no bairro de Botafogo, é foi de lá que, no início desse ano, foram extraídas cinco mudas, doadas pela Fundação Casa de Rui Barbosa ao Ministério Público Federal.
         As mudas da casa de Rui Barbosa, de camélias vermelhas, foram plantadas ao lado de outras mudas de camélias brancas, nos jardins do Ministério Público Federal, em Brasília, em um evento que homenageou os 131 anos de abolição da escravatura no país.

         Na inauguração do Jardim das Camélias, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, portando um broche de flor branca no vestido afirmou que o Ministério Público Federal pretende adotar uma camélia como símbolo do trabalho realizado em favor da dignidade da pessoa humana e pela liberdade de todos, pela igualdade de todos, homens e mulheres.

        Segundo enfatizou Humberto Jacques: “Trazemos para a nossa casa um sinal de que o Ministério Público não é apenas contra a escravidão e o trabalho escravo, mas é uma casa em nome da liberdade. Onde quer que estejam a liberdade e a expansão dos direitos fundamentais, lá está o Ministério Público. Nós que defendemos a democracia, direitos humanos, dignidade de todos perante a lei, um país sem discriminação, onde as pessoas convivam e vivam em paz, precisamos lembrar que a nossa luta de hoje começou muitos anos atrás e que estamos apenas continuando"

       Na ocasião, Raquel Dodge anunciou ainda que lançará a Ordem das Camélias para homenagear aqueles que, no âmbito do MPF, se dedicam à causa da liberdade e da dignidade da pessoa humana. http://www.memorial.mpf.mp.br/nacional/jardim-das-camelias

      O quilombo do Leblon foi mencionado no romance “A Conquista (1899), de Coelho Neto, que transcorre nos anos que culminaram com a Abolição.
        
        Em 2015, os cantores brasileiros Caetano Veloso e Gilberto Gil, compuseram a música “As Camélias do Quilombo do Leblon”, que tem como tema o quilombo. Quem quiser apreciar a música, é só acessar o link: https://youtu.be/72K3IERJRiw


       E a premiada escritora carioca, Luciana Sandroni, também resolveu contar essa parte pouco conhecida da história num livro muito divertido, cheio de ilustrações e informações para as crianças.


       
Este texto foi quase integralmente retirado de um artigo de Eduardo Silva, historiador e pesquisador da Casa de Rui Barbosa que estuda há mais de 30 anos temas como a escravidão e a cultura negra. Ele conta a história acima com mais detalhes no livro As Camélias do Leblon e a Abolição da Escravatura.



terça-feira, 27 de novembro de 2018

VOCÊ SABE O QUE É APOROFOBIA?



         Se você ainda não conhece e nem sabe o que significa essa palavra, saiba que em 2017,  em evento promovido pela agência de notícias Efe e pelo banco BBVA, ela foi eleita, pela Fundação Espanhol Urgente (Fundéu) a palavra do ano, em razão do seu potencial transformador. 
         Do grego άπορος (á-poros), sem recursos, indigente, pobre; e φόβος, (-fobos), medo, que quando usado como sufixo, indica ódio ou repulsa em relação ao que a palavra original designa, a palavra significa “rejeição ou aversão aos pobres.”
         O neologismo, recentemente incorporado à versão digital do dicionário pela Real Academia Espanhola (RAE), foi criado pela filósofa Adela Cortina e usado em vários dos seus artigos jornalísticos e livros.
         Adela Cortina é professora de Ética e Filosofia Política na Universidade de Valência (Espanha), diretora da Fundação Étnor para a Ética dos Negócios e das Organizações, membro da Academia das Ciências Morais e Políticas e tem oito doutorados “honoris causa”, conferidos por diversas universidades no mundo.  
         De acordo com a filósofa espanhola, é muito importante chamarmos as coisas pelo seu verdadeiro nome. Segundo ela mesma explica, em seu livro “Aporofobia el rechazo al pobre” (Aporofobia, a aversão aos pobres):

“Creio que é oportuno que se fale de um fenômeno que existe e que este tenha um nome. Me chama a atenção quando se diz que é preciso dar nome às tormentas, por exemplo, ou aos ciclones, porque assim as pessoas se previnem contra eles. A aversão aos pobres, a atitude de relegá-los socialmente, também é algo que se deve prevenir, porque é o mais contrário à dignidade das pessoas e um desafio contra a democracia. Não pode ser que uma parte da população despreze a outra e a considere inferior.
(...)
Ninguém tem antipatia pelos turistas estrangeiros que invadem as nossas cidades artísticas, muito menos pelos empresários ou pelos financiadores estrangeiros que abrem ou adquirem empresas entre nós. O problema não é o estrangeiro, mas sim o pobre como tal e aquilo que ele representa.”
         Para a professora espanhola, o que assusta a nossa sociedade do bem-estar é a pobreza, muito embora ela não tenha coragem de reconhecer isso. Por isso, ao identificar a pobreza com os estrangeiros imigrantes e refugiados, é menos constrangedor e mais fácil apresentar essas pessoas como uma ameaça à identidade nacional, mas esse discurso social repleto de ódio, não é totalmente identificável com a xenofobia.

        Para ela, aporofobia é uma patologia social que existe em todo o mundo, por isso, a primeira coisa a fazer  é "reconhecê-lo, saber como ele acontece e trabalhar para desativar esse fenômeno", o qual ela define como "absolutamente corrosivo."  
         Adela reconhece com preocupação o crescimento de movimentos que ela classifica como aporófobos, que estão ganhando terreno nos Estados Unidos e na França, como o discurso anti mexicano de Donald Trump e da Frente Nacional de Marine Le Pen contra os imigrantes. Segundo ela, “é um dos grandes problemas do nosso tempo, porque desde 1948, ano da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nós dizemos que isso era inadmissível, e agora está voltando a ser uma tendência”.
         É verdade que a pobreza e a degradação que ela envolve nunca desapareceram. Mas, ao longo do tempo, as formas em que a pobreza se manifesta, a sua percepção e o modo de enfrenta-la ficaram diferentes. Passamos de uma situação de pobreza generalizada, decorrente da Grande Guerra, período em que assistimos ao fenômeno da emigração e produção de sistemas de assistencialismo, para os anos do boom econômico, entre os anos de 1960 e 1980,  em que houve o surgimento de bairros e estruturas inteiras onde a pobreza e uma espécie de separação se reproduziram, com a guetização social, que produziu a marginalização dos pobres e manteve a pobreza longe dos olhos, até chegarmos ao atual estágio de globalização, que produz o medo generalizado e elevado dos pobres e nos leva  a querer deixar a pobreza e o desconforto que ela gera do lado de fora da porta de casa, ou mesmo no meio do mar.

         Segundo afirmou Santiago Agrelo Martínez, arcebispo de Tanger  e uma das vozes mais claras a favor de uma maior empatia e tratamento humano dos imigrantes e dos pobres em geral, em sua conversa com a Aleteia:

“...nenhuma pessoa boa permitiria, em seu coração, sentimentos de repugnância e/ou ódio contra as pessoas apenas porque são pobres; no entanto, estamos infectados por esses sentimentos.

         Estamos nos tornando desumanos? “Não penso assim”, disse o arcebispo.
Mas o que é definitivamente verdadeiro é que “...alguém nos enganou, e onde há pessoas pobres, fomos condicionados a ver uma ameaça à nossa segurança, um perigo à nossa saúde; onde há gente pobre, fomos condicionados a ver crime organizado, terroristas, estupradores, traficantes de drogas e ladrões; onde há pessoas pobres, fomos condicionados a ver imigrantes ilegais, pessoas em situações legais irregulares, pessoas que vivem clandestinamente e criminosos violentos.
Assim, a repugnância e o ódio contra os pobres – aporofobia – encontrou um álibi (o que é natural para nós é a repugnância e o ódio contra os ratos) que nos deixa com a mente tranquila e envenenada; estamos tranquilos e inconscientes, tranquilos e indiferentes diante de uma das maiores tragédias da humanidade. Tenho muito medo de que a aporofobia, cultivada contra os imigrantes, vire-se contra nós sob a forma de ódio e desprezo por todos aqueles que são fracos, indefesos, vulneráveis​​… Escolha qualquer exemplo que você queira na área da família, da escola, da sociedade: há material para escrever um livro”, ele concluiu.
         Certamente, saber que existe aporofobia não significa que seremos capazes de eliminar a rejeição aos pobres dos nossos medos, mas pelo menos poderemos nos tornar conscientes do problema real e, quiçá, identificar algum caminho de correção, redescobrir a ideia de bem comum, para a felicidade da convivência.   

         Se você quiser saber mais sobre “aporofobia”, acesse o  link abaixo.  
 
 
 

 

 

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

GENTE QUE FAZ: ANARKIA BOLADONA


A grafiteira Panmela Castro, mais conhecida como Anarkia Boladona, codinome artístico com o qual ganhou o mundo, é uma artista ativista que, por meio de sua arte, visa promover a igualdade de gênero.   
         Nascida e criada na periferia carioca, a grafiteira se formou Bacharel em Pintura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e é mestre em Arte Contemporânea pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Sua arte, de caráter político, feminista e autobiográfico, atualmente pode ser encontrada em três continentes, dez países e várias cidades do mundo, e já ganhou prêmios dentro e fora do Brasil. Além disso, recentemente, Panmela foi reconhecida pela revista Newsweek como uma das 150 mulheres que estão abalando o mundo.
         Com seus enormes grafites que retratam mulheres e frases que clamam pela liberdade da mulher em relação a seu corpo e a sua sexualidade, bem como pelo direito de escolha das mulheres, a artista plástica e ativista ajuda a quebrar uma das barreiras que mais dificultam o combate a abusos contra mulheres: a comunicação. E mostra com clareza as situações cotidianas que envolvem o problema.

         A história de militância de Panmela se funde com sua própria biografia. Ela vivenciou a violência doméstica durante um casamento, experiência sobre a qual fala abertamente. Mesmo após se refugiar na casa dos pais, era constantemente perseguida e se sentia intimidada. Até que ela, que já pichava muros quando adolescente, foi convidada por amigos para grafitar. “Eu sabia que ali meu ex-marido não ia tentar nada, porque eu estava com várias pessoas ao meu lado.”
         Com os amigos do grafite, Panmela redescobriu não só a arte, mas a coragem para retomar a vida ao ar livre. “Passei seis meses em depressão dentro de casa, sem fazer nada e essa foi a oportunidade para poder voltar a viver a minha vida. O grafite foi uma forma de eu me ressocializar.”
         Pensando em criar uma nova alternativa para as grafiteiras, aos poucos formou sua própria rede de contatos que deu origem à Nami. Além da promoção da arte em si, a rede promove encontros e formações sobre feminismo, empreendedorismo e direitos das mulheres. No seio da arte está o questionamento sobre a posição da mulher na sociedade e as regras às quais ela está sujeita a se submeter.
         Em uma de suas falas para o Brasil de Fato, Panmela explica:
 “Muito mais que encarar o preconceito e as desigualdades de frente, é preciso entender e perceber esses preconceitos. Às vezes a gente passa por diversas situações que não consegue identificar as razões daquilo acontecer. Precisamos abrir o olho para as situações e exigir os nossos direitos. A mulher é muito explorada no trabalho, tem muito assédio e às vezes a gente deixa passar as coisas.”

Os trabalhos de mobilização da rede Nami já renderam dois prêmios internacionais de direitos humanos: o Vital Voices Global Leadership Awards, da Organização Vital Voices, fundada pela secretária de Estado dos Estados Unidos Hillary Clinton, e o DVF Awards, da Fundação Diller Von Furstenberg Family Fundation, organização da estilista Diane Von Furstenberg.
         Um dos projetos da rede realizou 30 oficinas com as “Mulheres da Paz”, senhoras idosas que atuam como conciliadoras em comunidades pobres do Rio de Janeiro. As “oficineiras” mediavam conversas entre elas e grupos de jovens sobre as questões da comunidade, inserindo também os temas da discriminação e cidadania.
         A união das duas gerações se deu no momento do grafite. “Uma mulher com 70 anos me marcou muito por ter falado ‘nossa, eu nunca pensei que eu ia poder fazer um negócio bonito desses’, deslumbrada pelo próprio grafite na parede.”
         Grafite como uma poderosa ferramenta de transformação social não só pela comunicação, mas pela socialização proporcionada pela atividade.
         Isso é gente que faz!           

 

terça-feira, 5 de junho de 2018

MINIMALISMO: porque ser é melhor que ter

 

                                          Escrito por ANNATROTTAYARYD
 
        Muito embora sempre tenha sido simpatizante da ideia de que menos é mais e mais é menos, em que pese alguns esforços no decorrer da vida, reconheço que nunca fui uma exímia praticante. 
        Então, certo dia, navegando pela internet, me deparei com o termo minimalismo, que logo me chamou a atenção. 
        De acordo com o dicionário Michaelis, minimalismo é a predisposição para redução e simplificação dos elementos que compõem um todo, o que já é muito interessante. Na prática, porém, ele é mais que isso. 
        Minimalismo é desapego. É ser capaz de retirar os excessos da sua vida e não depender de objetos, pessoas ou lugares para criar paz e felicidade. É repensar sobre os motivos pelos quais você tem ou porque quer ter certas coisas. É viver os seus próprios sonhos, que não precisam ser, e quase nunca são, os mesmos sonhos dos outros. 
         Minimalismo, principalmente, é adotar uma maneira mais simples de viver para reduzir o estresse, a ansiedade, e ter mais liberdade e mais tempo para o que realmente importa: você, as pessoas que você ama e viver bem.
        Na verdade, ser minimalista é uma filosofia de vida e um estilo de viver, no qual você reduz suas posses de tal forma que tenha apenas itens que realmente tragam valor à sua vida. 
        O que não é simples, nem fácil, se pensarmos que vivemos em um mundo onde tudo e todos ao nosso redor nos fazem crer que se não consumirmos, não somos nada. Se não consumirmos não somos ninguém, porque somos apenas na medida em que formos capazes de consumir. Além disso, somos o tempo todo seduzidos pela promessa de felicidade escondida atrás do consumismo, e condicionados a acreditar que a felicidade só é verdadeiramente possível se você tiver condições de participar da orgia do consumo.
       A questão é que, ao nos permitirmos ser meros consumidores, todas as nossas capacidades são postas sempre e apenas a serviço de uma maior possibilidade de consumir, o que faz com que deixemos o que realmente importa na vida para trás, tornando-a sem significado. E a vida precisa ter significado, precisa ter sentido e propósito, senão ela fica vazia e infeliz.
        Compramos todo o tempo coisas que não precisamos e às vezes nem queremos, pelo simples prazer de comprar. Claro que sempre haverá alguma coisa para encantar nossos olhos, mas essa coisa não precisa necessariamente vir para nossa casa. Você pode olhar, gostar e deixar ela exatamente aonde ela está, simplesmente pela certeza de que ter mais daquilo que você não precisa, não significa ser mais feliz. 
        Mas desapegar é complicado. E retirar os excessos da nossa vida exige consciência, vontade, além da revisão da própria vida, da própria história e dos próprios princípios.
       Por isso, ser minimalista não é externo. Não é tirar tudo da sua vida para não se preocupar com nada. É um processo interno, no qual você avalia o que não soma. Embora tenha sim um viés externo, porque quando você põe a casa em ordem, quando você organiza o seu ambiente, seja ele qual for, você também organiza suas questões e seu passado, e passa a distinguir com mais clareza o que é essencial e o que é inútil.
        Minimalismo também não tem nada a ver com valor monetário, ou gastar menos dinheiro, muito menos com fazer você jogar fora todas as suas posses e se mudar para um bangalô. Mas sim com sentido e propósito de possuirmos certas coisas, e como fazermos as perguntas certas antes de tomarmos a decisão de comprar. 
        Trata-se, na verdade, de um tipo de consumo racional e razoável, cujo o ponto central é fazer você se perguntar por que você possui as coisas que possui, o que elas acrescentam à sua vida e se você pode viver tranquilamente sem elas. E veja que não existe certo ou errado nessa história. São escolhas que devem obedecer a um único critério: o que te faz e te deixa bem consigo mesmo e feliz. 
        Ou seja, ser minimalista é se livrar dos excessos para ficar livre de coisas e detalhes desnecessários, para ter mais tempo e espaço em sua vida para se dedicar à felicidade, ao amor, à amizade, e tudo aquilo que ocupa um espaço duradouro em sua vida e é verdadeiramente importante para você, o que vale para coisas, atividades, pessoas, compromissos, informação e tudo o mais que não te geram alegria nem energia.
        E pensar minimalista é repensar os motivos pelos quais você tem ou por que quer ter certas coisas. É olhar para tudo que é vendido pela mídia e pensar: isso faz realmente sentido para mim? Isso vai me ajudar a alcançar meus sonhos, ou de certa forma, pode me atrasar?
        Por isso é um comportamento que começa na sua cabeça e você, aos poucos, vai transportando para os seus hábitos até incorporar na sua vida.
       Imagine uma vida com menos coisas, menos desordem, menos estresse e descontentamento...Agora imagine uma vida com mais tempo, mais espaço, mais diversão, mais relações significativas, mais crescimento, contribuição e contentamento, mais ordem e mais dinheiro. 
        Isso é minimalismo.
       Se você, assim como eu, se interessou e quer saber mais sobre minimalismo, poderá assistir ao documentário “Minimalism: A Documentary About the Important Things”, disponível na Netflix, de Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus, autores que passaram uma experiência arrebatadora com o minimalismo e decidiram documentar a vida de outras pessoas que levam esse estilo de vida.  
  Também tem um livro muito interessante: “Menos é mais: Um guia minimalista para organizar e simplificar sua vida”, de Francine Jay (Ed. Fontanar). O best-seller americano é considerado a “bíblia” do minimalismo graças ao jeito simples e divertido que mostra como ter uma vida menos consumista e mais plena.   
        Outros exemplos de minimalismo você poderá encontrar dando uma olhada na cultura dos países da Escandinávia, onde essas ideias foram estabelecidas desde tempos imemoriais e são expressas não apenas em relação às coisas, mas também ao modo de pensar. Simplicidade, modéstia, atitude cuidadosa em relação à natureza são importantes bases da vida nesses países, onde as pessoas não precisam de tanta variedade.
        Já tem algum tempo estabeleci que, a essa altura do campeonato, a prioridade da minha vida será viver com leveza, para poder envelhecer com leveza e me tornar interessante. E, depois de muito ler sobre o assunto, não tenho dúvida alguma, que me tornar minimalista é um meio para isso. O que tenho muita fé conseguir ser ainda nessa encarnação. 
       Confesso que ainda estou engatinhando, em meio a um processo de reavaliação e autoconvencimento, mas, recentemente, fiz uma viagem low cost com meu filho - daquelas que você não despacha bagagem e leva tudo numa mala de mão, que vai com você no bagageiro do avião -  e, tirando o desafio inicial de colocar tudo que eu achava necessário em uma malinha pequena dessas, foi muito libertador.
         Saber que posso viver bem e por muito tempo, com as coisas que cabem numa mala pequena me deu uma sensação de mobilidade e liberdade incríveis, além de ter pago muito mais barato, em todos os deslocamentos.
        Então é isso. 
        E se cabe um conselho: ame as pessoas e use as coisas, porque o inverso não funciona. Além disso, ninguém vai comparecer ao seu funeral e dizer “ ela tinha um sofá caro e sapatos lindos”, por isso, não faça sua vida ser sobre coisas.
       Fica a dica.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A DURA ARTE DA ESCREVINHAÇÃO


                                          ESCRITO POR ANNATROTTAYARYD       

                                               Tem dia que eu acordo com a sensação de não ter dormido. Abro os olhos e minha cabeça parece que vai estourar de tantos pensamentos. Mas não é estouro de dor de cabeça. É explosão lá dentro, na alma. Pura inquietação.                                    
                                                Nesses dias, geralmente a vida e a realidade me doem. Então, com a cara mais inchada do mundo eu me espreguiço, levando e começo. Do verbo transitivo dar começo a. Do verbo intransitivo ter começo em. Do meu verbo, levanta e vai. 
                                                E eu levanto e vou. Pensando que escrever é muito diferente de falar, e que possivelmente, o que a gente mais goste de escrever seja justamente aquilo que menos conseguimos anunciar.                                                    
                                               Escrever e falar: duas coisas indissociáveis, opostas, antagônicas e tão complementares. Tudo ao mesmo tempo. No mesmo espaço e na mesma pessoa. E em qualquer pessoa, em qualquer tempo e em qualquer espaço.
                                                Então escrevo, tipo terapia. Talvez, por covardia. Com certeza, para tentar me entender e quem sabe poder me contar, para mim mesma e para os outros. Decifrar meus enigmas. Resgatar minhas lembranças, preencher os meus vazios. 
                                                 Talvez, assim, eu não me perca. Quem sabe, um dia, alguém me leia...                        
                                                 Nesses dias, quase sempre eu choro, e o meu mundo fica todo borrado. Mas tudo bem, nem ligo. Já aprendi que é no mundo borrado que a gente encontra os mais difíceis e lindos encantos e é molhando os olhos que a gente clareia a alma. Por isso não me importo e sigo em frente, tentando clarear as ideias e escrever tudo aquilo que penso e gostaria de falar. 
                                                  Mas, tem dias em que a inquisição fala mais alto. A inquisição é uma espécie de assembleia composta pela mente pensadora, a mente crítica e a mente “do contra”, que se reúne dentro da minha cabeça, para longas sessões de debates sobre como e por qual motivo eu insisto em escrever tanta baboseira.  
                                                   Esses são os dias mais difíceis. Escrevo e apago, não acabo, me apago e me guardo...quem sabe outro dia...
                                                   Persistente, a inquisição exigi dias até que consiga reunir forças e argumentos suficientes para vencer os debates internos e seguir em frente.                 
                                                   Aí vem a hora da libertação! Quando finalmente crio coragem e desprendimento suficientes para apertar aquela tecla que todo mundo tem, mas muitos desconhecem, porque fica guardada no canto da alma, num compartimento ultrassecreto e que rege tudo o que o Vaticano diz ser ruim.
                                                    Você não sabe qual é?
 
 
                                                   Confesso que demorei muito para encontrar a minha, e o dobro de tempo até conseguir apertá-la. Sempre achei que se apertasse esse botão tudo daria errado, ou alguma coisa explodiria, mas não.  E acreditem, nada é mais profundo e rebuscado do que apertar o “foda-se”.
                                                   Quando isso acontece, é como se eu fosse salpicada por um pó mágico de desprendimento e irreverência que me faz parar de odiar o que faço e me permite pensar com mais clareza sobre o que eleger como importante na minha vida e o que considerar insignificante, o que é muito libertador. 
                                                    No final, tudo isso vale a pena. Os dias de inquietação. O choro. A gestação demorada e doída. A digestão, que exige reflexão e muita perseverança. A cruel inquisição, e finalmente, a libertadora irreverência, sem a qual nada seria possível e publicado.     
                                                    E, de repente, as coisas vão retomando seu lugar e posso dormir, de novo, o sono tranquilo dos sobreviventes.   
 

 
 

terça-feira, 21 de novembro de 2017

TEMOS QUE FALAR DE ABORTO


ESCRITO POR ANNATROTTAYARYD
De tempos em tempos, o fantasma da penalização do aborto volta a assombrar, colocado por ilusionistas competentes ou demagogos interesseiros e oportunistas como milagrosa forma de preservação da vida.
Dessa vez foi a Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que por dezoito votos a favor e um contra, aprovou a proposta de Emenda à Constituição 181/2011, conhecida como “Cavalo de Tróia”, que determina que “a vida começa desde a concepção”.
Essa PEC, inicialmente benéfica, visava apenas ampliar direitos trabalhistas, como o aumento do tempo da licença-maternidade para mulheres cujos filhos nasceram prematuros. Entretanto, ao ser alterada pelo Legislativo, em dezembro do ano passado, para discutir o aborto, acabou se transformando num pesadelo.
Longe de ser a primeira, é bem verdade que ela não é a única ameaça feita aos direitos reprodutivos das mulheres, nos últimos tempos. Os famosos e já muito combatidos “Estatuto do Nascituro” (PL 478/2007) e PL 5069/13 também representam ameaças reais para os direitos das mulheres. E, além deles, há também outras, como a PEC 164/2012, de autoria de Eduardo Cunha e a PEC 29/2015, de autoria do senador Magno Malta (PR/ES), que definem a vida como inviolável desde a concepção.
Com o claro propósito de impedir qualquer avanço da pauta da legalização do aborto no Brasil, elas abrem perigoso precedente para que qualquer forma de interrupção da gravidez seja proibida no nosso país, em franco retrocesso civilizatório.
Não é sem razão que todas essas propostas legislativas tenham sido sugeridas por homens, com apoio da bancada fundamentalista, no Congresso Nacional mais conservador desde a redemocratização.
E assim segue o Brasil, na contramão, insistindo em manter normas tão retrógradas que, longe de mudar nossa realidade fática, assentam uma verdadeira legislação sobre o útero alheio, em uma das posições mais conservadoras sobre o assunto, ao lado de Senegal, Iraque, Palestina, Iêmen e Nicarágua.
Atualmente, no nosso País, o aborto é legalizado em três hipóteses: no caso de gravidez decorrente de estupro, risco para a gestante e de gravidez de feto anencefálico - esta última em decorrência de decisão do STF, proferida em 2012. Entretanto, o que a realidade nos mostra, é que mesmo com esse respaldo jurídico, muitas mulheres ainda encontram vários entraves para realizar o procedimento.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a cada dois dias, morre, no país, uma mulher vítima de aborto clandestino. Ainda, de acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto, realizada em 2010 pela antropóloga Debora Diniz e pelo sociólogo Marcelo Medeiros, mais de uma em cada cinco mulheres entre 18 e 39 anos de idade já recorreu a um aborto na vida, na grande maioria mulheres pobres, sem recursos para recorrerem a clínicas sofisticadas. E segundo as conclusões da Pesquisa Nacional do Aborto realizada em 2016, o aborto é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões.
Em 2015, ocorreram cerca de meio milhão de abortos. Ao todo, 48% dessas mulheres vão parar no hospital devido a abortamentos inseguros.  O abortamento inseguro provoca 602 internações diárias por infecção, 25% dos casos de esterilidade e 9% dos óbitos maternos, sendo a quinta causa de mortes maternas no Brasil.
No mundo são realizados cerca de cinco milhões de abortos ao ano, sendo 97% em países onde o aborto é ilegal. Se consideradas as negras e pardas juntas, elas realizam cerca de três vezes mais abortos que as mulheres brancas e morrem ou sofrem sequelas três vezes mais também, em razão da maior vulnerabilidade desse grupo e das péssimas condições sociais em que vivem.
Esses números gritam e nos mostram que a maioria das mulheres continua morrendo na tentativa de interromper a gestação de uma criança que não querem ou não podem ter. Além disso, eles não só reafirmam que a criminalização do aborto obedece à mesma lógica do apartheid racial e social que rege o cotidiano do nosso país, como indicam que, na prática, a criminalização do aborto representa uma eficiente máquina estatal de produzir cadáveres femininos e também órfãos – se considerarmos que muitas dessas mulheres possuem outros filhos.
E, principalmente, nos mostram que o aborto, não só é comum entre as mulheres brasileiras, como que a legalidade ou ilegalidade não tem muita interferência sobre a decisão dessas mulheres, mas interfere sim, sobre as consequências para a saúde delas.
Exemplo concreto disso é o que ocorre na França. No começo dos anos 70, a França foi palco de uma mobilização social que abraçava a pauta e, em 1975, viu a Lei Veil ser aprovada. A Lei permite a interrupção voluntária da gravidez, sob controle médico, até a 12ª semana de gestação e, 40 anos depois, continua a provar seu saldo positivo: há menos de 1 morte/ano na França em consequência da prática do aborto. Em paralelo, porque as mulheres podem fazer escolhas, a França exibe hoje uma das taxas de fecundidade mais altas da Europa (2,03).
Outros Países como Canadá, Noruega, Portugal e mais recentemente o Uruguai, já divulgaram dados de diminuição drástica do número de abortos após a legalização, isso porque a política de legalização veio acompanhada, mesmo que precariamente, pelo aumento da política de educação sexual e de planejamento reprodutivo.
Por tudo isso, muito diferentemente do que se propaga, a descriminalização do aborto salva vidas sim, de muitas mulheres que merecem respeito à sua dignidade, como qualquer um de nós.
É bem verdade que esse assunto é bastante polêmico, e um dos mais controversos e difíceis de debater no Brasil, já que confunde conceitos de liberdade, direito, moral, religião e vida. Porém, estamos num momento em nosso país em que, se apropriar, ter posicionamento e se mobilizar por esse debate é essencial, porque quanto menos debatermos e menos informações tivermos, mais mulheres irão morrer. E ser a favor da vida só pode ser verdadeiro, se for também a favor da mulher gestante.
Aqueles que insistem que defender a descriminalização do aborto é o mesmo que defender sua prática, certamente desconhecem por completo o peso do que é discutido: uma decisão difícil, conflitiva e muito dolorosa para qualquer mulher, em qualquer circunstância. E também ignoram ou fingem que não sabem, que as mulheres, no mais das vezes, recorrem a esse método apenas em última instância, quer porque foram educadas desde pequenas na “função social” de serem mães – o que faz com que essa decisão tenha um enorme peso psicológico -  quer porque, como é sabidamente por todos, isso pode significar um trauma físico imenso, e, humanas que são, têm muito medo.
Também é falho o argumento de que “engravida quem quer”. Segundo dados extraídos da Pesquisa Nacional do Aborto, cerca de 50% das mulheres que abortaram usavam algum tipo de método anticoncepcional enquanto engravidaram e 70% estavam em relações estáveis. Ou seja, esse argumento, além de não enxergar o machismo nas relações, o qual implica desde violências sexuais até relações violentas no cotidiano onde os homens acabam por relativizar o uso de contraceptivos e não assumem a responsabilidade pelas consequências dos seus atos, também culpabiliza a sexualidade das mulheres e as coloca como únicas responsáveis, quando sabemos bem que ninguém engravida sozinha.
Assim, defender a não criminalização do aborto, ao contrário do que muitos querem fazer crer, não significa, em hipótese alguma, concordar com ou incentivar a prática abortiva, mas apenas e tão-somente apoiar a mudança de uma lei que coloca, todos os dias, as vidas e a dignidade de milhões de mulheres em risco, com um efeito perverso para as mulheres mais pobres e vulneráveis.
Infelizmente as políticas brasileiras, inclusive as de saúde, vêm insistindo em tratar o aborto sob uma perspectiva religiosa e moral, e responder à questão com a criminalização e a repressão policial, transformando o aborto em tabu.
Porém, os números são claros: a resposta fundamentada na criminalização e repressão se mostra não apenas inefetiva, mas nociva, porque não reduz nem cuida. De um lado, porque não é capaz de diminuir o número de aborto, e de outro, porque impede que mulheres busquem o acompanhamento e a informação de saúde necessários para que seja realizado de forma segura ou para planejar sua vida reprodutiva a fim de evitar um segundo evento desse tipo.
Por tudo isso, ter posicionamento e se mobilizar por esse debate, nesse momento, é tão essencial.
E apenas para que não pairem dúvidas ou coloquem palavras na minha boca: eu nunca fiz um aborto e eu não sou a favor da prática do aborto, só não sou contra a mulher que decide pelo abortamento.
Esse texto foi publicado no correio da cidadania.
http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12949-temos-que-falar-de-aborto